Primeiro comecei utilizando uma sacola grande retornável
Pra evitar as sacolinhas plásticas que nos “dão” no caixa
Depois pedia para embalarem as compras em caixas de papelão
Que alguns supermercados disponibilizavam
Quando a minha sacola retornável era pequena e insuficiente
As trabalhadoras do caixa sempre me achavam um sujeito esquisito
Quando elas já tinham as sacolinhas disponíveis
E eu me negava a utilizá-las
Outro dia até mesmo o empacotador me disse que as sacolinhas não custavam nada não
Só depois eu tive a vontade lúcida de perguntar
Quem é que pagava por elas
Agora passei a levar as sacolinhas transparentes dentro da sacola retornável
Porque aqui onde vivo colocam-se as frutas e legumes
Dentro das sacolinhas transparentes
Pra serem pesadas e etiquetadas
E em seguida serem colocadas dentro de outras
Sacolinhas – ao passar no caixa
E não se questiona nada
Agem como se estivessem a passear
E as sacolinhas fossem cortesia da natureza
Por isso hoje saio com a sacola retornável levando em si as sacolinhas transparentes
Para acomodarem em si as frutas e legumes
Para em seguida pedir no caixa que as coloquem em caixas de papelão
E o que couber, na minha sacola retornável colorida
Mesmo fazendo isso
As sacolinhas aqui em casa não param de crescer
Já tive que dispensar parte delas para a coleta reciclável
Por não ter qualquer expectativa de uso futuro
E eventualmente encontro uma sacolinha se desfazendo
Fragmentando-se em partes pequeníssimas
Que até mancham os dedos com a sua tinta
Mas não sou somente eu a trazer sacolinhas novas para dentro de casa
Há as visitas
A trazer sua cerveja
Os familiares
A enviar um petisco, um docinho
E o que fazer com tantas sacolinhas?!
Para cada uma que uso efetivamente
Um sentimento de satisfação me percorre
É como se nesta Epopeia ou Cruzada contra as Sacolinhas Plásticas
Eu obtivesse uma vitória
Não são muitos os usos que encontro entretanto
A saber:
Embalar o lixo do banheiro
O lixo orgânico da cozinha
E só...
Ah, não! Ia me esquecendo
Agora saio com as sacolinhas transparentes
Dentro da sacola retornável
Para embalar as frutas e legumes
E qualquer dia desses sairei com as sacolinhas com a marca do supermercado X
Dentro da sacola retornável
Junto com as sacolinhas transparentes
A pedir que embalem as compras
Que farei no supermercado Y
A Fome
A insegurança alimentar no nosso Brasil é fato tão consumado que a nossa mátria portuguesa já foi avisando desde o começo que o leite não dava pra todos: quem não chora, não mama. Mas o coração brasileiro foi dando o seu jeitinho, não queria ver ninguém morrer de fome, e por debaixo dos panos fez saber a toda a nação: onde come um, comem dois, e onde comem dois, come o bonde. Exatamente, o bonde do Noel, que mais parece uma carroça, está mais vivo do que nunca.
No entanto, o fato é que o coração de mãe não é capaz de resolver sozinho esse gigantesco problema do gigante adormecido. E a nossa língua, por sua vez, vai tratando de povoar esse imaginário. Em que outra parte do mundo se cogita resolver briga de marido e mulher se metendo uma colher? Aqui, passarinho come até pedra, não porque sabe o cu que tem, mas porque sabe que é o que temos pra hoje.
Enquanto isso, a sociedade tenta ridicularizar quem nunca comeu melado, mas quero ver você não se lambuzar até os pés com o estômago roncando mais que cuíca em escola de samba. A escola, por sinal, foi uma das barganhas mais bem-sucedidas do Estado brasileiro para acabar com essa história de que saco vazio não para em pé, e foi logo chamando os pais de lado: olha, vocês deixam suas crianças aqui comigo e, em troca, dou a elas duas refeições. De quebra, aproveito pra ensinar a ler e escrever, que lhes pode ser útil na vida.
E batata! A receita foi o maior sucesso! Mas nada de ‘barriga cheia, pé na areia’. Depois de encher a pança, a criançada ia alimentar outra coisa igualmente importante: o cérebro. E foi aí que o doce começou a desandar outra vez... Em vez de operação de aritmética, o que bateu à porta da escola em São Paulo foi a Operação Prato Feito. Pra surpresa de todos, revelou-se o que sempre se soube cá nessas bandas: as tetas do Estado estão aí, mas não são pra qualquer bico. A não ser que você seja amigo do rei, do juiz, do desembargador, do prefeito. A Pasárgada é aqui, seu Manuel! A mamata que eu quero, no gabinete que escolherei! E pra acompanhar uma boa pizza, a nossa Operação fez água.
Nosso projeto de educação é tão sinistro que os melhores estudantes e pesquisadores do país concorrem a uma Bolsa Sanduíche. Mas os contemplados não se fazem de cachorro magro, não. Não cospem no prato que comeram, não senhor. Na universidade pública, a solidariedade não é só pavê não, é pacomê também. Tanto que os onipresentes vira-latas nem precisam tombar e fuçar as famigeradas latas de lixo, são tratados a pão de ló.
Contudo, o mesmo não pode se dizer de uma multidão de brasileirinhos que já nascem com a barriga na miséria. A azeitona que eles conhecem é de outro calibre, e presunto vira banquete de urubu. As panelas e tampas, prato-e-faca, tendo pouca serventia no lar, foram parar na cozinha do samba. E, se por um lado, o malandro passa mal, do outro, felizmente, o samba mata a fome.
O ano é 2022 e a fome atinge níveis alarmantes, os piores desde 1990. Hora do bufão sair de cena.
A minha casa
tem jambo, romã
graviola, amora
tem rosa, orégano
boldo, cacau
babosa, orquídea
galinha e ovo
tem uva, tem malva
tem uva-do-mato
gato, jasmim
até maracujá
tomatinho, alecrim
cidreira, melissa
violeta
incenso
e ora-pro-nóbis
tem música, verso
dança, oração
tem canto
tem canto!
tem manjericão
tem fogo sagrado
amor e trabalho
bromélia, leitura
e tem gratidão
a mulher, o filho
família e amigos
a casa tem todos
e tem a mim
já eu
nada tenho
mas sou
e cultivo
quanto mais me
esvazio
mais sou
A coisa e o nome
I
(— Exprimenta isso.
— Quê que é isso?
— Exprimenta primeiro.
— Mas como chama isso, pai?
— Cê tá muito preocupado com o nome, fio!)
O nome é coisa do home,
A coisa é si
É outra coisa.
II
— Quê que cê tá fazendo, pai?
— Tô fazendo a barba.
— Mas isso não tá fazendo a barba. Tá desfazendo.
III
(1) —Alguém sabe me dizer o nome deste dinossauro?
(2) —Tiranossauro Rex!
(1) —Muito bem, Paulinho.
(3) —Mas, professora... Como é que eles sabiam os nomes dos dinossauros?
(1) —Não entendi a sua pergunta.
(3) —Como é que os homens sabiam os nomes dos dinossauros?
Olhos pra ver
é inconteste
o corpo
é mais belo que a veste
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vejam como são civilizados
os índios
eles andam pelados
Entre a morte e a vida, flui por meio da música e da literatura para chegar até o coração dos homens. Compositor por intuição, flautista por determinação e cantor por teimosia, sua veia musical convive pacificamente com a necessidade de autoexpressão do Ser através do registro poético, apesar dos arroubos de ciúmes de ambos os lados. Graduado pela UNESP de SJ Rio Preto, trabalha com ensino e tradução dos idiomas inglês e espanhol.