Comecei a escrever lembrando do que dizia minha orientadora. Comecei a escrever sentindo tão cruelmente o que estava em mim, e isso me moveu a querer saber pelo movimento o que estava me atravessando. Comecei a escrever pelo vazio provocado por estar só, em mim. Quando me entregar ao vazio, me entregarei a escrita? Me entregar a escuta, para sustentar o vazio? Que coragem é essa que devo ter? Sustentar estar em mim, e ver com minha própria escuta o que me atravessa? Nesses dias duas mulheres amigas me mandaram palavras de poetas mulheres, elas mesmas e outras, vozes mulheres. Eu tive medo do vazio que estava sentindo. E talvez por isso, tive medo de escutá-las, também. Mas tomei coragem, e me deixei molhar, fluir, mover com essas palavras-águas que me movimentaram enfim, a minha própria escrita, a mim, a minha voz. Fazer as pazes, estar em paz? Talvez não resolvendo o conflito, mas atravessando-o com meu próprio corpo, minhas palavras, minha escuta-escrita, minha voz. Não só. Também com corpos-palavras-escritas-vozes-mulheres de outras que nos acompanham e que somos também. É isso. Talvez seja essa a coragem de usar a palavra talvez. E assumir essa incerta caminhada compartilhada. Mas reconhecendo tons, nuances, sotaques… É isso. Estar em mim, abandonar-me a esse vazio. Os sinais, as motivações para criar, estava tudo na vista. Não quero deixar ir… Pelo menos não sem mim! Quero ir junto, com palavras andantes, entre janelas e histórias, como traz à vista o escritor uruguaio. Um estar em si tão profundo, que se percebe enraizadamente, o atravessamento. Um estar em si tão profundo, que se percebe enraizadamente, o atravessamento. Um estar em si tão profundo, que se percebe enraizadamente, o atravessamento. De tantas outras vozes compartilhadas, coletivizadas… eu tenho muitas vezes medo, de tanto. Tanta imagem e(m) intensidade! Medo de seguir uma inundação que me leve e me destroce. Mas eu justamente não sou destroçada quando tem outras, essas, vozes escutadas. É engraçado, como ao reler meu texto, esse mesmo que narro, quando ele estava escrito, desde o começo percebo que não entendo mais as palavras que acabei de registrar, meu movimento me enganando e me fazendo encontrar e confundir a palavra escrita com a palavra escuta. Rio com essa confusão! Pois pra mim, elas estão tão profundamente relacionadas que agradeço à minha grafia, meu corpo cansado da madrugada e sim, às amigas mulheres e suas vozes povoadas.
Luíza Câmara Maretto.
[ Maio de 2023 ]
[ Percurso de escuta-manuscrito-voz-transcrição ]
1. Poema “Vozes Mulheres”, de Conceição Evaristo. (In: Poemas de recordação e outros movimentos, 3.ed., p. 24-25). Disponível para leitura em: http://www.letras.ufmg.br/literafro/autoras/24-textos-das-autoras/923-conceicao-evaristo-vozes-mulheres. Disponível para escuta na voz da autora em: https://www.youtube.com/watch?v=dIngWuRn45c&ab_channel=MarcioDebellian
2. GALEANO, Eduardo. As palavras andantes. Porto Alegre: L & PM, 1994, 316 p.