Quando eu era criança, não sei ao certo que idade eu tinha, talvez uns seis anos. Era isso ou um pouco menos. Talvez um pouco mais. Não sei! Olhei por uma janela e vi um rapaz andando de bicicleta e uma ideia me veio: “No que será que ele está pensando? O que ele está vendo e ouvindo?” não havia uma resposta, a não ser a certeza de que era algo diferente daquilo que eu ou qualquer outra pessoa no mundo estava pensando, vendo, ouvindo e sentindo. Nesse instante percebi que havia uma voz meio estranha que vivia dentro de mim.
Pouco tempo depois aprendi a escrever. Digo que aprendi a escrever porque ler eu já sabia, embora eu não soubesse disso. Paulo Freire disse algo sobre a gente já ter a leitura do mundo antes da leitura da palavra, contudo quando dominamos as palavras descobrimos muitas outras riquezas em nosso mundo. Não sei quais foram exatamente as palavras dele, mas era mais ou menos isso.
Enfim, vamos voltar para temática que foi proposta: Consciência. Nosso léxico traz algumas definições para essa palavra, ainda assim, conceitualmente, esse é um termo bastante complexo e, talvez por esse motivo, foi abordado por tantos pensadores, com diferentes perspectivas filosóficas.
Segundo Hesíodo, Caos é o mais longevo espírito de consciência, o primeiro deus a surgir no universo e, a partir dele, originou-se a dualidade da existência humana: Urano e Gaia; o espírito e a matéria; a alma e o corpo, enfim, esse Yin e Yang que tanto dialogam.
Consciência e Existência! Será? René Descartes, nos propõe o pensamento como dúvida absoluta e explicita essa questão na frase “Penso, logo existo”. Afinal, para existir é preciso ter consciência de si mesmo, tanto que uma palavra sinônima de existência é pessoa, e é sobre isso que estamos falando.
Carlo Collodi e seu personagem Pinóquio nos apresentam uma existência fantástica através de um boneco de madeira que ganha vida. Mas, para o Pinóquio existir, ser um menino de verdade, ele precisaria de algo mais que a vida, ele precisaria habitar um corpo humano.
Algo meio parecido é a narrativa “A metamorfose”, de Franz Kafka, que desenha para nós a questão trazida pelo personagem Gregor Samsa, afinal sua consciência, sua alma, continua incólume em um corpo modificado, transformado em um inseto. Ele permanece claramente, a nós leitores, sendo o Gregor. É o mesmo ser pensante, apenas seu corpo é outro, porém, lamentavelmente, até mesmo para sua família, ele já não existe mais, porque seu corpo não atende à normativa da existência.
E seguimos com Émile Durkheim que nos traduz isso por meio de muitos exemplos os quais nos fazem enxergar que a maior parte do que pensamos é, tão somente, uma construção social. E agora? Quem somos nós sem a forma que representamos no mundo?
Simone de Beauvoir vai por essa linha e nos faz a seguinte afirmação: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”. Aqui Simone está nos dizendo que o que entendemos como essência é uma construção social? E junto vem Sartre que nos arrasta para outra dimensão com a sua frase “A existência precede a essência”. É isso mesmo?! Enfim, essência e existência são substratos tão bem amalgamados… Como conseguiríamos separá-los?
E nessa mesma época, Albert Camus vem com o absurdo da existência e o personagem Meursault, do livro “O Estrangeiro”, nos leva para experimentações e sentimentos sobre a ausência de sentido da existência. Porém, é ele mesmo, Meursault, que nos apresenta a beleza do significado da vida no fato de podermos sentir o vento, e o calor do sol em nosso rosto.
As epifanias de Clarice Lispector no conto “A Legião Estrangeira” nos trazem a tensão que é guardada dentro da essência, da existência e da aparência. A narradora e a personagem Ophélia nos fazem ver que quando duas consciências dialogam, elas formam uma terceira pessoa. Como explicar isso? Ah! Isso só a literatura consegue, não é?
Poderíamos ficar por aqui, no entanto, ainda temos “Flores para Algernon”, onde Daniel Keyes nos apresenta Charlie Gordon, uma pessoa com deficiência intelectual que tem sua consciência ampliada e, portanto, alterada. O corpo de Charlie é o mesmo, entretanto, o pensamento dele é totalmente outro a partir de uma cirurgia.
Quanto encanto, assombro e agonia em tantas histórias e teorias. Consciência e pessoas, arte e personagens. Ah! A leitura! Quando lemos vamos para esse empreendimento com toda a nossa existência e levamos as nossas pessoas daquele instante histórico e essas pessoas conversam conosco e com o que estamos lendo. Mas a leitura vai além, lemos livros, comportamentos, reações, objetos, pinturas, cenários, olhares, sons, fotografias. Porém, isso já é um outro assunto. Ou não?!