A música é uma expressão artística que pode nos provocar as mais variadas emoções e sentimentos. Seus ritmos podem ser sincronizados com as atividades cerebrais estimulando estados como o relaxamento, euforia, frustração, alegria, reflexão, nostalgia e até mesmo melancolia. Ela também pode estimular a liberação de neurotransmissores como a dopamina, que está associada à motivação e ao bem-estar emocional. Observando e analisando as principais plataformas de streaming e os círculos sociais, notamos uma preferência por músicas consideradas alegres e otimistas e a rejeição e crítica deliberada àquelas consideradas ‘tristes’ ou ‘depressivas’. Essa atitude é uma limitação à experiência musical. As músicas conhecidas por trazerem sensações de tristeza apresentam valor estético e emocional em si mesmas e podem oferecer uma profundidade de emoção e reflexão que a música alegre simplesmente não pode. Além disso, pode ser uma ferramenta poderosa para processar emoções negativas e promover a cura emocional.
As sensações de alegria e tristeza na música são resultado de uma combinação complexa de elementos musicais, percepção subjetiva do indivíduo. A teoria musical oferece algumas perspectivas para explicar como essas emoções são estimuladas pela música. Alguns dos fatores que influenciam a maneira como a música é percebida e recebida decorre de elementos indissociáveis entre si, como o modo tonal, ritmo, melodia, harmonia, letras, temas líricos, contexto e associações culturais. Sob a perspectiva científica ocidental, alguns estudos foram conduzidos com o objetivo de verificar o efeito de tais músicas nas emoções, como por exemplo, a pesquisa conduzida por Kawakami A, Furukawa K, Katahira K, Okanoya K, em 2013, intitulado “Sad music induces pleasant emotion” (“A música triste induz emoção agradável.”) que concluiu que embora a música triste seja percebida como trágica, ouvi-la induz os participantes a sentir emoções mais positivas, como romantismo e alegria. Os resultados sugerem que a emoção induzida pela música é indireta e pode proporcionar prazer, mesmo em contextos tristes.
Friedrich Nietzsche, filósofo alemão do século XIX, tinha opiniões e reflexões interessantes sobre a música triste. Para ele, a tristeza expressa na música não era necessariamente algo negativo, mas sim uma forma de acessar e compreender as complexidades da vida. Ele argumentava que a música triste nos leva a confrontar a dor e o sofrimento de uma maneira esteticamente prazerosa, permitindo-nos encontrar beleza e significado até mesmo nas experiências mais difíceis. As visões de Nietzsche sobre a música e a tristeza podem ser encontradas em suas obras, especialmente em “O Nascimento da Tragédia” e “Crepúsculo dos Ídolos“.
Há muitos exemplos de músicas tristes que se tornaram populares devido à sua capacidade de evocar emoções fortes e trazer, além de reflexões, mensagens de superação. Por exemplo, a música “Everybody Hurts” da banda R.E.M. foi frequentemente usada em campanhas de saúde mental, com o objetivo de incentivar as pessoas a procurar ajuda quando se sentirem sobrecarregadas emocionalmente.
A música “Fake Plastic Trees” da banda britânica Radiohead é uma canção que aborda críticas à cultura consumista e à artificialidade da sociedade moderna e foi divulgada em diferentes contextos relacionados a questões ambientais, conscientização social ou reflexões sobre a cultura materialista.
“Construção” de Chico Buarque é uma canção que apresenta uma crítica social contundente, mas também traz uma mensagem de superação. Lançada em 1971, a música aborda a vida de um operário que morre tragicamente em um acidente de trabalho, destacando as desigualdades sociais e as condições precárias enfrentadas pelos trabalhadores. É importante ressaltar que nem toda música considerada feliz em sua estética trata apenas de temas superficiais e alienantes e que nem toda música considerada triste aborda temas reflexivos, além disso, a apreciação musical é subjetiva e diferentes pessoas podem ter diferentes perspectivas sobre o valor e a qualidade da música.
Quando nos sentimos tristes ou deprimidos, tendemos a nos afastar de coisas que podem piorar ainda mais nosso estado emocional. No entanto, a música triste pode ter um efeito oposto, fornecendo uma saída para nossas emoções negativas e nos ajudando a processar e lidar com nossos sentimentos. Ao rejeitar a música triste ou depressiva, as pessoas estão privando-se de uma experiência musical mais completa e rica. Elas estão perdendo a oportunidade de explorar suas próprias emoções e de aprender a lidar com a tristeza e a melancolia. Em vez disso, optam por uma experiência musical superficial e limitada, que pode não refletir as complexidades e nuances da vida real.