É comum ouvirmos que a nossa natureza* é a da competição e a da hierarquia. Mas, quantas naturezas existem? E qual é a proporção de dominância de cada uma delas nas populações humanas ou mesmo em um indivíduo?
Vamos nos ater a duas destas por apresentarem uma dualidade que, no senso comum, se opõem: competição e cooperação. Quando falamos dessas duas ações, basicamente estamos nos referindo aos dois lados de uma mesma moeda. Somos habituados com práticas que as colocam atuando em conjunto desde nossos ancestrais – que formavam times com o objetivo comum de capturar a presa – até o período contemporâneo, quando a humanidade paralisa suas atividades para observar alguns de seus representantes disputarem em grupo por um objetivo em comum.
Na história da vida, competições estão tão ligadas à sobrevivência quanto às cooperações. Aqui estão no plural, pois a forma em que cada uma das duas se expressam são tão variadas como o número e tipo de agentes que as executam. O processo evolutivo diversificou os comportamentos, as naturezas de agir dos seres vivos e imprimiu de modo profundo comportamentos que hoje permeiam a nossa sociedade. Existindo a necessidade da disputa, que nos alimenta psicologicamente, os vencedores devem ser consagrados e os não-vencedores, respeitados e acolhidos. Mas, aqui e ali surge uma necessidade de ir além, ofender, segregar, mudar o campo dessa competição e apelar para a covardia. De onde vem isso?
A dificuldade de se discutir essas duas naturezas ultrapassa demasiadamente a existência de todos os pensamentos expressos em palavras. E, ainda, não temos uma resposta precisa na ciência empírica e experimental, para o momento do surgimento dessas ações naturais. Usemos nosso privilégio de poder divagar filosoficamente sobre o tema. Será que os agregados de coacervados, que eram junções de moléculas proteicas antes do surgimento da primeira unidade básica da vida – a célula – apresentavam algum grau equiparável aos comportamentos de organismos que agem apenas em prol de si mesmo? Ou, então, daqueles que entendem a importância de colaborar em coletivo além da sua linhagem genética mais próxima? Como a lógica química e física de interações moleculares, ligações químicas e outras, que são regidas por leis do universo, podem estar por trás disso?
Se seguirmos essa linha de ideias baseada em ciência empírica, a partir do método hipotético-dedutivo, podemos caminhar pelo tempo até chegarmos ao seguinte questionamento: se a explicação para tais fenômenos de natureza humana social é intrínseca à toda história da vida e do universo (levando-nos a momentos como o da singularidade com seus instantes subsequentes da separação das quatro forças fundamentais da natureza ou o surgimento das primeiras partículas subatômicas), como podemos analisar se existiam relações competitivas ou cooperativas entre forças, matérias e energias?
Não precisamos ir tão longe em uma escala temporal para nos perguntarmos sobre isso, visto que passamos a incluir o espaço-tempo como um agente que interage com outros elementos naturais, podendo apresentar as naturezas aqui analisadas. Vamos então começar da seguinte forma: olhe para si, para cada membro do seu corpo e busque sentir em cada região dele as diversas camadas em que a sua existência está submetida. Agora tente conceber que se trata de uma colônia de microrganismos competindo e cooperando entre si em uma medida cirúrgica, matematicamente falando. Apesar da consciência relativamente centralizada, para que ela exista é necessário o equilíbrio dos desequilíbrios (e vice-versa) de tipos celulares de outras regiões em uma certa medida que a própria cognição não é suficiente para perceber.
No ensino fundamental aprendemos que somos constituídos de aglomerados de propriedades emergentes. Células formando tecidos, que formam órgãos, sistemas e indivíduos. Mas, como é viver e sentir essa compreensão? É possível imaginar que as relações de cooperação e competição podem ocorrer entre todos esses elementos em diversas camadas além do indivíduo, além da espécie, além da matéria. Observar as relações da vida em diferentes escalas de espaço-tempo pode trazer reflexões que nos introduzem um caminho filosófico e científico muito diverso em possibilidades de busca, se tivermos cautela e o discernimento para trilhá-lo. Essa prática pode levar às respostas consideradas mais óbvias possíveis pelo senso comum. Essas reflexões amadurecem nossa tomada de decisões e ampliam a percepção daquilo que chamamos EU.
* O termo “natureza” pode adquirir o sentido de “essência” desde que por isto se entenda a essencialidade da não-essência.