A extração da pedra da loucura. Hieronymus Bosch. 1494.
A extração da pedra da loucura. Hieronymus Bosch. 1494.

Sobre desmistificar a loucura e o lugar do louco na atualidade ou sociedade contemporânea

Falar de loucura é falar de não loucura, e nesse momento me lembro da frase do pintor surrealista, Salvador Dali (1904-1989), brilhante também nessa colocação: “A única diferença entre mim e um louco, é que eu não sou louco”.

A época de Dali foi também a de muitos pensadores que questionaram a razão humana, dentre eles, Friedrich Nietzsche (1844-1900), Sigmund Freud (1856-1939) e Karl Marx (1818-1883), repensados por Michel Foucault (1926-1984) em seu livro: Nietzsche, Freud, Marx (1964).

Talvez então, para falar de loucura devamos falar de razão, ou das muitas existentes. Com Immanuel Kant (1724-1804), em pleno Iluminismo, inicia-se já um questionamento sobre a enaltecida razão humana da época: até onde o ser humano seria capaz de conhecer. Era (um)a questão. Na verdade, o ser humano caminha junto da história dos pensamentos e civilizações, perfazendo-se através delas. E como as transformações são recorrentes, mesmo que algo universal permaneça, como a necessidade de respirar, de trocar com o ambiente (sendo essa troca especialmente não literal também), as referências do que possa ser chamado de racional ou irracional se alteram, não sendo possível saber ao certo o quanto tais referências permanecem.

O que pode ser suposto como uma referência fixa de sanidade, seria a preservação da vida, o cuidado e autocuidado? Mas como avaliar ou manter isso diante de tantas destruições e desrespeitos humanos? Pois é sobre isso que a sociedade mundial conhece, a partir dos pensadores trabalhados por Foucault (Nietzsche, Freud e Marx) que apontam o quanto mapeamos pouco sobre nós, diante da configuração de inconsciente, de “irracionalismo” e de transformações (sociais) que nos atingem, carregam e compõem nossas ações e estímulos vitais. Daí compreendermos também, e muito, sobre a ideia apresentada pelo pensador da atualidade Edgar Morin (1921) que propõe a emergência e o reconhecimento do Homo sapiens demens: um sujeito racional constituído pelo imaginário, a arte, a poesia, a literatura, um ser noológico e criativo.

O olhar do que possa ser chamado humano está em diálogo com a complexidade, favorecendo que diversos ditames sejam revistos e até mesmo rechaçados, provocando alívio, vários deles.

Se muitos são os tipos de razão, muitos também são os de loucura. Talvez nesse contexto, até se confundam e sejam ambas necessárias. Não se sabe. E já que não  sabemos muita coisa, de tudo que socraticamente sabemos, como abrir mão da razão e da loucura? São componentes ou formas de percepções humanas. Talvez seja uma questão de dose, de saber dosar. Sabemos? Treinamos um tanto e aprendemos, quiçá, com nossas experiências.

Lembrando que há a tentativa de desmistificar o que seja a loucura hoje em dia, gostaria de dizer que lemos o mundo de dentro pra fora, mesmo que “o mundo” ou os outros nos cheguem tanto de dentro quanto de fora, cheguem concomitantemente. O social só pode ser lido (quando lido e idealmente lido) a partir do individual, mas o social muitas vezes cria leituras desse individual. São relações que se estabelecem, a lógica do isso mas também aquilo. Mesmo no terreno individual, podemos dizer que somos muitos, dentro e fora de nós, através dos tempos e espaços de uma vida terrena. Diante dessa pluralidade e variação, somada à consideração do pensamento complexo, direcionamo-nos a um natural exercício de observar como menos anormais determinados fenômenos do mundo “psi”. Por outro lado, o esforço da psicopatologia em propor referências mais seguras para desarranjos psicológicos é de estimado valor, desde que respaldado pela visão de desconhecimento das causas de determinada psicopatologia, já que são sinais e sintomas os  orientadores. Estamos novamente com o desconhecido.

Somos, em muito, desconhecidos de nós. E como desbravar novos campos sem o risco da aventura, da experimentação? Como Albert Einstein disse, “A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original.”, como então, aumentar esse viver, saber viver, sem poder ser louco? Para Aristóteles: “Nunca existiu uma grande inteligência sem uma veia de loucura…”. Logo, loucura pode ser igualmente genial e legitimadora do que seja chamado de humano. Saibamos mais sobre as intensidades, frequências, manifestações e, especialmente, possíveis origens do que se considere como sintoma psicopatológico, lembrando sempre que a vontade não se subordina muitas vezes às regras, podendo as mesmas, em diversos casos, serem repensadas. Resta-nos, então, saber em quais.

Renata Bastos

Navegante do tempo, busca significados, fluxos e melhores traduções. É Terapeuta Astral, estudante de Música e Psicologia. Tornou-se mestre em Filosofia estudando a relação de Giordano Bruno com o pensamento complexo. Seu Kin é 161: Dragão Harmônico Vermelho.